O lingerie é formado por um conjunto conhecido como roupas de baixo. Peças e acessórios dos mais variados possíveis, desde calcinhas e cuecas, sutiãs, cintas-ligas, espartilhos e, por que não dizer algumas outras peças que completam o fascínio da vestimenta íntima, como as meias, por exemplo. Peças que além de apenas fascinarem, nasceram com a missão de revolucionar a moda.
O primeiro a aparecer no cenário pode ter sido o espartilho, criado na preocupação em dar forma à porção central do corpo, em moldá-lo usando apetrechos que, através dos anos vão sendo modificados e adaptados de acordo com o padrão plástico de cada época. Este passa a dominar principalmente, o cotidiano feminino, reinando absoluto durante mais de quatro séculos.
Quanto às calcinhas e cuecas, as primeiras referências encontradas a respeito datam de 40 a. C, em Roma. Embora não sejam em nada parecidas ao que conhecemos hoje, resumindo-se em pedaços de algodão, linho ou lã amarrados ao corpo.
A calcinha precisamente, foi amplamente usada durante o período medieval, numa época em que o banho era escasso, como forma de preservar as roupas, até então caras e demasiadamente pesadas para a lavagem. Depois, no século XVI foram adaptadas dos culotes masculinos pela rainha Catarina de Médicis, que como exímia amazona que era, desejava mais liberdade e por que não dizer, privacidade em suas cavalgadas; com isso, elas acabaram evoluindo para o que hoje convencionou-se chamar de calcinha.
Já as meias, têm-se conhecimento de que seriam usadas desde os tempos mais remotos, aproximadamente, uns 600 a.C. Inicialmente parecidas com um sapato baixo, uma sandália, cobrindo os dedos e o calcanhar, foram chamadas sykhos. Nesta época, não eram usadas por homens, pois até então, era considerado um artigo vergonhoso.
Em várias partes do mundo, as meias tiveram um lugar na história. Desde a antiga Roma, quando as mulheres usavam meias feitas de couro macio – numa versão mais estética –, até as usadas pelos anglo-saxões, nas ilhas Britânicas – como forma de proteger os pés dentro das botas – as meias, aqui chamadas soccus, tiveram grande relevância para as sociedades antigas e assim continuaram até os dias atuais. Vieram as meias 7/8, ¾, meias calças, rendadas, de seda, de náilon, lycra e por ai vai...
As cintas-liga por sua vez nasceram da necessidade de segurarem as meias, mas logo se tornaram as queridinhas do fetiche, da sedução e do poder. Bem mais que apenas aliadas das meias, elas são um detalhe a mais nesse mundo de fitas e laçarotes.
Por fim, o ilustre representante do lingerie, o sutiã, pode ter nascido com a vontade da mulher em libertar-se, em tornar-se atuante, dinâmica e moderna. E por motivos cotidianos também, afinal, com a mudança nos tempos, a mulher assume mais responsabilidades em casa, como mãe e esposa, requerendo mais desenvoltura. E antes destes, com os apertos existentes, ela não podia sequer abaixar, o que dirá administrar seus afazeres, seja dentro ou fora de casa.
Assim, é incontestável que as peças íntimas despertem um fascínio a mais em homens e mulheres, e isto, desde a sua criação. Mas, claro que mais notadamente depois da Idade Média, quando as vestes longas passam, entre o século XVII e XVIII por uma reviravolta que acaba culminando num arsenal de acessórios indispensáveis de serem usados debaixo das volumosas saias femininas. E até o século XX, muito sofrimento aconteceria em virtude de tão penosos sacrifícios ditado por estes suprimentos de beleza e satisfação masculina.
Afinal, o lingerie, mais do que ajudar a compor os trajes da mulher e o toalete do homem, desperta toda uma gama de fantasia e sedução. Não é a toa que o pai da psicanálise, Sigmund Freud, argumentou a respeito: “a relação do erotismo com as roupas íntimas nada mais é do que o fetiche, ou feitiço. Isso acontece quando a satisfação pessoal se dá através de objetos e ornamentos”.
[1] Em virtude, até de tal observação, diga-se muito proveitosa para entendermos a real importância do lingerie, citemos também uma epigrama veneziana que bem retrata a dimensão do encantamento destas peças:
“Não te queres deitar nua ao meu lado, bem amada;
Por vergonha te escondes de mim em tuas vestes.
Diz-me, o que cobiço? A tua roupa ou o teu corpo?
Vergonha: uma roupa que os amantes jogam fora”.
[2] Sendo assim, é compreensível o fascínio exercido por peças tão despretensiosamente perturbadoras. E se torna mais compreensível, ainda, as transformações que são impostas a cada dia ao lingerie, porque afinal, importantes e desejados como são, merecem evoluir conjuntamente com a moda, adaptando-se às exigências do mundo moderno.
Tanto isto é verdade, que o lingerie atravessou o século XX em constante ebulição. Quando a moda pedia roupas justas, ele surgia com sutiãs de armação de metal, cintas e corpetes; com a revolução sexual, chegou-se mesmo a queimar os sutiãs como forma de protesto em prol de maior liberdade para as mulheres; quando a moda tornou-se mais leve, esportiva ou dinâmica, sempre surgia uma peça que se moldava nos padrões buscados. As cuecas evoluíam. As calcinhas iam ao sabor do vento, grandes e pequenas, estreitas e largas...
Desta forma, podemos afirmar que desde seu surgimento, a moda do lingerie muda constantemente. Pois, como dito, durante mais de quatro séculos usou-se os espartilhos, moldando as famosas “cinturinhas de vespa” e erguendo triunfantes os seios, coqueluche de várias épocas diferentes. Os sutiãs não existiam até o final do século XIX, e depois, por alguns anos também não era como os conhecemos hoje.
As calcinhas e as cuecas, então, passaram por drásticas mudanças. Até o século XIX, mulheres e homens usavam a ceroula, que iam até os joelhos e no começo do século XX, elas continuam, apesar de um pouco diferenciadas; a modelagem masculina e feminina também adquire a cada década mais diferenciações, embora apenas com o surgimento do náilon e da lycra, é que ambos passam a adquirir o formato que tem hoje, com vários tamanhos e modelos, contrastando exatamente em calcinhas e cuecas.
As cintas-ligas e conseqüentemente, as meias 7/8 são um charme a mais nos conjuntos de acessórios íntimos usado pelas mulheres. Muito usadas na década de 20 e 30, tornou-se acessório indisponível, tendo caído em desuso apenas em 40 com o surgimento das meias-calças. E ressalte-se que não desapareceram, apenas não foram mais usadas obrigatoriamente e sim como um fetiche a mais; usadas por estilo, não mais por imposição. Depois as meias-calças surgem poderosas e reinam absolutas, em materiais, cores e padronagens.
E a indústria do lingerie continua crescendo, apostando em tecnologia e modernidade. E acreditando sempre na paixão que move homens e mulheres em direção a ele.
Para isto, finalizando tal assertiva, tomemos como exemplo, um artigo publicado na revista Playboy, que afirma ser o lingerie “a peça que encurta a distância entre dois corpos sedentos de amor”; e, diz mais, rendendo homenagens a ele, de forma arrebatadora:
“Vestir-se para ser despida. A aparente contradição feminina vai ao chão à menor possibilidade de sedução: é a roupa que elas mais gostam de colocar para que nós a tiremos. Branca, rósea ou carmim, o lingerie vai ao chão, depois de um leve, e bem observado, vôo. E lá, ficam os marcos de uma lenta escalada: caleçon, meias, sutiãs... No cume, observador e observada alongam o prazer sentido em cada uma destas etapas”.
[3] E mais...
Como bem comparou o escritor Octave Uzanne, a mulher de lingerie é uma flor, “cujas inúmeras pétalas se tornam mais e mais bonitas e delicadas conforme você alcança a doce profundeza das pétalas mais internas. Ela é como uma orquídea rara, que libera a fragrância dos seus mistérios somente nas intimidades do amor”.
[4] Assim, não é preciso dizer mais nada...
[1] FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago Ed. Ltda., 1969.
[2] Vestuário e Decoro. Disponível em:
http://geocities.com/athens/atlantis/9008/artigo/V_decoro.htm Acesso em 11 mai. 2004.
[3] Vestuário e Decoro. Disponível em:
http://geocities.com/athens/atlantis/9008/artigo/V_decoro.htm Acesso em 11 mai. 2004.
[4] Citado por Gertrude Aretz, em The Elegant Women from the Rococo Period to Modern Times, trad. James Laver (Londres: Harrap, 1932), p. 273.